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As armadilhas de atribuir à empresa a responsabilidade sobre a sua felicidade

Publicado em 24/06/2020

Trabalhe com o que você gosta e não trabalharás um dia da sua vida”. Quantas vezes já vimos esta frase estampada em conteúdos motivacionais voltados a trabalhadores das mais diversas áreas de atuação? 

O significado dessa sentença é tão duvidoso quanto a sua autoria – que já foi atribuída a grandes empresários e escritores, mas o mais frequente é vê-la creditada ao filósofo chinês Confúcio. E o que poderia ele dizer sobre o mercado de trabalho do século 21, onde a busca pela felicidade se tornou o grande mote dos discursos empreendedoristas?

Mais do que se pode imaginar, embora o sentido da frase possa distorcer em parte as ideias do filósofo. Registros sobre a vida do pensador que viveu mais de 500 anos antes de Cristo sugerem que, aos 51 anos, ele obteve um posto oficial em um dos estados chineses, o estado de Lu. Diz-se, ainda, que dispensou o cargo alguns anos depois, por não compartilhar dos valores e dos ideais daquele estado. 

O exemplo de Confúcio ensina mais do que os ditados creditados a ele. Em sua filosofia, o pensador sugere que o comportamento ritualizado – a manutenção de uma rotina de dedicação – é o que garante uma experiência em harmonia. Não se trata de se conformar com uma posição, mas de executar seu dever da melhor maneira possível, condicionar-se a ela, orientando-se pelo bem comum e pelo bem-estar. Note-se: “bem-estar”, não “felicidade”.

O que a vida profissional contemporânea pode extrair da frase atribuída a Confúcio é que, ao trabalhar com algo que se goste, os dias serão mais leves e mais satisfatórios, não mais felizes, porque a felicidade é um conceito muito mais complexo. Um indivíduo pode estar perfeitamente satisfeito com todos os aspectos da sua vida profissional e, ainda assim, sentir-se infeliz. Na subjetividade de cada um, a felicidade depende de aspectos diferente e da totalidade da vida.

A empresa, os dias no escritório, os colegas de setor, os processos da rotina profissional não devem ser um peso para o executivo, para o gestor, nem para os seus subordinados, nisso, há consenso. Por outro lado, nem empresa nem colaboradores podem viver sob a ilusão de que a organização deve fazer os funcionários felizes. 

É importante que critérios de saúde e bem-coletivos sejam respeitados, que a boa convivência seja estimulada, mas listar a felicidade dos funcionários na coluna de tarefas da instituição é um erro com desdobramentos que vão além do contrato de trabalho. 

O protagonismo do profissional

Segundo a pesquisa anual da Staples sobre ambiente de trabalho, 80% dos funcionários que atuam em cargos que não são de gestão acreditam que os empregadores têm a responsabilidade sobre a saúde física e mental dos empregados. 

Este dado traz informações importantes sobre retenção de colaboradores e boas práticas para a companhia, mas ao mesmo tempo é preocupante a tendência a desresponsabilizar os sujeitos.

A romantização do “trabalho que não é trabalho” é uma armadilha porque desperta a ilusão, especialmente entre as gerações mais jovens e inexperientes, de que não há espaço na rotina profissional para o descontentamento e que toda a responsabilidade sobre o sucesso do indivíduo em seu cargo recai sobre a organização.

Incentivar e estimular os trabalhadores é essencial, mas nenhum executivo, gestor ou profissional de recursos humanos se entusiasma em contratar alguém que precisa ser motivado.

A motivação é uma construção coletiva e tem gatilhos diferentes em cada indivíduo: é no sujeito que ela brota. Cabe à empresa contribuir com os estímulos necessários para que continue se desenvolvendo à medida em que o tempo passa, mas a semente não pode ser plantada somente pelos gestores.